O Congresso deve passar a delimitar terras indígenas
“Osmar Serraglio: O Congresso deve passar a delimitar terras indígenas
É incompreensível que, passados 25 anos da promulgação da Constituição
Cidadã, ainda tenhamos controvérsias provocadas por interpretações equivocadas
que ameaçam a independência dos Poderes e prejudicam o desenvolvimento
socioeconômico sustentável brasileiro.
Há alguns anos, assistimos os governos a cometerem grave incompreensão
do texto constitucional ao tratar de um tema fundamental: a competência para a
demarcação de terras indígenas. Impõe-se fazer correção urgentemente, afim de
dar segurança jurídica ao setor produtivo rural e às próprias comunidades
indígenas, muitas delas guiadas por arautos de posições infundadas, boa parte
deles a serviço de organizações transnacionais interessadas em brecar o
desenvolvimento do país.
O Legislativo não pode mais deixar de exercer o seu papel, sob o risco
de vir rotulado de omisso. A Constituição estabelece que cabe ao Congresso
dispor sobre bens da União, como são definidas as terras indígenas. Essa não é
uma atribuição do Executivo. Tanto é assim que o texto constitucional diz, em
seu artigo 49, inciso XVI, ser competência exclusiva do Congresso “autorizar,
em terras indígenas, a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e a
pesquisa e lavra de riquezas minerais”. O Congresso não só tem a atribuição de
estabelecer os limites das terras indígenas, mas também de definir sobre a
exploração do que nela se contenha em potencial hídrico e mineral sem sequer se
submeter à sanção do Executivo.
A Constituição é igualmente clara ao preconizar que cabe privativamente
à União legislar sobre populações indígenas. Quando se diz que “não há índio
sem terra”, reconhece-se cristalinamente que, se sobre a população indígena
legisla-se, atuando, portanto, o Poder Legislativo, não se pode desconectar a
legislação do índio daquela da sua terra. Foi no exercício dessa competência
que o Congresso aprovou o Estatuto do Índio e a instituição da Funai (Fundação
Nacional do Índio).
Mas isso não é tudo. A Constituição proíbe a remoção de grupos
indígenas de suas terras, salvo com o referendo do Congresso. Paralelamente, o
texto diz que a administração pública obedecerá ao princípio da legalidade.
Significa que o Executivo nada pode fazer se não amparado por Lei. Logo, falar
que cabe a órgãos técnicos ou à Funai definir os limites das terras indígenas,
atribuindo-se ao presidente da República apenas a homologação das reservas, é
heresia jurídica. Se os órgãos técnicos têm alguma atribuição, é porque o
Congresso lhes atribuiu.
Não se nega ao indígena o direito a terra. Ao contrário. A PEC
(Proposta de Emenda Constitucional) 215, de 2000, busca justamente garantir o
pleno direito a terra. A delimitação dessas áreas é Atribuição do Congresso,
cabendo ao Executivo demarcá-las, o que é um ato administrativo. E não há como
demarcar, o que, antes, não se delimitou.
É um equívoco se falar em ofensa ao princípio da separação dos Poderes
quando se insiste na exclusividade do Executivo para criar reservas indígenas.
Não há dispositivo constitucional que isso afirme.
A competência da União para demarcar terras indígenas precisa ser
conciliada com outra regra, a de que as terras devolutas pertencem aos Estados.
Isto é, estabelecer reserva indígena, impõe, na maioria das vezes, a fixação de
limites de terras devolutas. Por isso, quando sabiamente a Constituição atribui
à União – e não ao Executivo – essa prerrogativa e quando preconiza que a legislação
é que disporá sobre populações indígenas, está a prestigiar o preceito
federativo.
Não
resta dúvida sobre a prerrogativa do Congresso para legislar sobre a demarcação
de terras indígenas. O resto é falsa polêmica, alimentada, às vezes financiada,
com o intuito de prejudicar o Brasil.”